(Cristovão Buarque)
Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro.
Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha. De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.
Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da Humanidade. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo . O Louvre não deve pertencer apenas á França. Cada museu do mundo e quardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de, a um proprietário ou de um pais. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro e de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido rnacionalizado.
Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos o EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o pais onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
sábado, 22 de dezembro de 2007
sábado, 15 de dezembro de 2007
O Deus dilacerado
O Cristianismo é a única religião do mundo que tem a sua base de fé numa tragédia. A morte de Buda não é importante para a filosofia budista. Como Maomé morreu também não é importante para um muçulmano. Nenhum chinês está interessado se Confúcio foi ou não torturado até a morte. Mas será que um cristão poderia dizer que a morte de Jesus não é importante? O Cristianismo, na verdade, nos brinda com um desconfortável e pesado paradoxo: um homem que nasce do espírito e morre fisicamente dilacerado. Por que isso? Não poderia ter sido outra a história? Esse choque é também uma dificuldade encontrada pelos missionários para evangelizar pessoas de outras culturas.
Phillip Yancey conta que certa vez, na China, missionários tiveram uma inesperada reação dos habitantes locais quando eles, após ouvirem a história de Jesus, rejeitaram a sua parte final, por ser feia e triste, e se encantaram com a parte inicial, que fala de uma virgem que deu luz a uma criança.
Não seria melhor, então, omitirmos o final da história? Se pensarmos bem, não. A história não poderia ter sido outra. Se fosse de outra forma, não seria perfeita, não seria para nós. O que, neste mundo, é tipicamente humano? O que você responderia se alguém lhe fizesse essa pergunta? Vaidade? Ganância? Lúcifer não é humano e foi vaidoso e ganancioso. Só há uma resposta: a morte. E, relacionado a ela, a dor física. Se Deus tivesse se transformado em homem e tivesse voltado aos céus antes de morrer, não teria sido um homem. Para realizar o seu maior milagre – transformar-se em carne, em um ser limitado e temporal, ser igual a nós –, a obra tinha que ser completa: Ele teria que passar pela morte! E fez muito mais: antes de morrer, enfrentou o medo e uma das piores seqüências de dor física que se possa imaginar. Deus sofreu!
Às vezes nós estamos tão viciados em nossas rotinas, em nossos problemas do dia-a-dia, nos achando tão sofredores, que nunca paramos para pensar que Deus, Aquele para quem dirigimos nossas petições diárias, sofreu muito mais do que tudo pelo que passamos todos os dias... tudo somado! Será que quando Isaías escreveu "as nossas dores levou sobre si" (Is 53:4), ele estava se utilizando de um recurso poético, metafórico, para causar impacto?
O dr. Alexander Metherell, conhecido médico dos EUA, reconhecido como diagnosticador pelo Conselho Americano de Radiologia e consultor do Instituto Nacional do Coração, do Pulmão e do Sangue e dos Institutos de Saúde de Bethesda, em Maryland, fez um minucioso e científico relato do que Jesus passou até morrer na cruz.
Tudo começou logo após a última ceia, no jardim de Getsêmani. Lucas, também um médico, relata que Jesus suou sangue (Lc 22:44). Essa é uma condição médica conhecida, chamada hematidrose, e está ligada ao alto grau de estresse psicológico. A angústia e a ansiedade extremas ocasionam a liberação de produtos químicos que rompem os vasos capilares nas glândulas sudoríparas, o que faz o suor brotar misturado com sangue. Um dos efeitos disso é que a pele fica muito frágil. Isso significa que Jesus se apresentou para o açoitamento romano, que aconteceria dali a algumas horas, com a pele bastante sensível.
Jesus, após ser inquirido por Pôncio Pilatos, foi açoitado ao estilo romano, e não ao judeu. Este último era de 40 golpes menos um. Mas o romano (more romanorum) não tinha limite. Simplesmente era suspenso quando assim achava conveniente o executor sententiae. Usava-se um chicote de tiras de couro traçadas, com bolinhas de metal amarradas. Presos ao açoite havia ainda pedaços afiados de ossos, que cortavam a carne profundamente. As costas das vítimas ficavam tão maltratadas que às vezes os cortes profundos chegavam a deixar a espinha exposta. As chicotadas cobriam toda a extensão do dorso, desde a nuca até o traseiro e as pernas.
Metherell conta que um médico que estudou os castigos infligidos pelos romanos certa vez disse que à medida que o açoitamento continuava, as lacerações atingiam os músculos inferiores que seguram o esqueleto, deixando penduradas tiras de carne ensangüentadas. Eusébio, historiador do século III, deu o seguinte relato: "As veias do sofredor ficavam abertas, e os músculos, tendões e órgãos internos ficavam expostos". Muitas pessoas morriam desse tipo de suplício antes mesmo de chegarem a ser crucificadas. Segundo Metherell, a vítima entrava em choque hipovolêmico; ou seja, sofria os efeitos da perda de grande quantidade de sangue. O coração se esforça para bombear mais sangue, a pressão sangüínea cai, causando desmaio ou colapso, os rins param de produzir urina e a pessoa fica com muita sede. Por isso Jesus diria mais tarde "Tenho sede" ao estar na cruz (Jo 19:28).
Jesus estava em choque hipovolêmico quando se arrastou pela rua em direção ao Calvário, carregando a viga horizontal da cruz (chamada de patibulum), que devia pesar em torno de 60 quilos (ao contrário do que muitos pensam, não se carregava a cruz inteira, apenas a sua parte horizontal; a outra parte já se encontrava erguida no local da execução). Colocada sobre a nuca e ombros, a cada passo e espasmo os espinhos afiados deviam ser pressionados pela madeira, cravando-se cada vez mais profundamente no couro cabeludo. Jesus então acabou caindo, devido aos efeitos do citado choque hipovolêmico, e o soldado romano, vendo seu estado, teve que ordenar a um espectador, Simão, que carregasse a cruz (Jo 19:17 e Lc 23:26).
Ao contrário do que muitos imaginam, Jesus foi crucificado pelos pulsos, e não pelas palmas das mãos. Se os pregos furassem apenas a palma da mão, o peso do corpo a rasgaria e a vítima cairia da cruz. Na linguagem da época, os pulsos eram considerados parte das mãos, por isso que Jesus, após a ressurreição, usou o termo "mãos" quando falou ao cético Tomé (Jo 20:27). Os pregos, bem afiados e de aproximadamente 15 centímetros, atravessavam o lugar do braço por onde passa o nervo central. Esse é o maior nervo que vai até a mão, e era esmagado pelo prego. A dor, relata Metherell, é simplesmente insuportável. Na verdade, está além da descrição por palavras, tanto que foi necessário se inventar uma nova palavra: dor "excruciante". Essa palavra significa literalmente "da cruz". Foi necessário criar uma palavra para descrever o que Jesus sentiu! E Jesus passou por essa dor quatro vezes: duas vezes nas mãos e duas vezes nos pés.
Mas antes de se perfurar os pés, o patibulum é içado, juntamente com a pessoa pregada, até ser encaixado na vergôntea da viga vertical. Essa operação provoca a queda do peso do crucificado até este ser freado pelos pregos que atravessam os pulsos. A dor, segundo os médicos, deve ter sido igualmente insuportável. Uma vez o corpo pregado na cruz, os braços ficam imediatamente esticados; os ombros saem do lugar e as juntas se distendem 15 centímetros. Por isso Salmos 22:14 diz: "Todos os meus ossos estão desconjuntados".
A crucificação é, em essência, uma lenta agonia até a morte por asfixia. A razão disso é que a tensão dos músculos e do diafragma deixa o peito na posição de inalar. Para exalar, a pessoa tem de firmar-se sobre os pés, para aliviar por um pouco a tensão dos músculos. Ao fazer isso, o prego rasga o pé, até se prender contra os ossos do tarso. Depois de conseguir exalar, a pessoa pode relaxar e inalar novamente. Mas logo em seguida é preciso empurrar-se novamente para cima, para exalar, esfregando suas costas esfoladas contra a madeira áspera da cruz. Isso se repete até a exaustão total, e a pessoa não consegue mais se erguer para respirar.
Ao diminuir a respiração, a vítima entra no que é chamado de acidose respiratória: o dióxido de carbono no sangue é dissolvido em ácido carbônico, fazendo a acidez do sangue aumentar. Isso faz o coração bater de modo irregular. Quando isso começou a acontecer, Jesus percebeu que estava chegando a hora da morte, e então disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23:46). Depois morreu de ataque cardíaco, com um grande grito (Mc 15:37).
Um soldado romano então enfia uma lança no corpo de Jesus para se certificar de que ele estava realmente morto. João relata que saiu sangue e água (Jo 19:34). Isso se deve ao choque hipovolêmico, que deve ter feito o coração bater rapidamente por algum tempo, o que teria contribuído para fazê-lo falhar, resultando no acúmulo de líquido na membrana em torno do coração, chamado efusão pericardial, bem como em torno dos pulmões, chamado efusão pleural. A lança provavelmente atravessou o pulmão e o coração de Jesus e, quando foi tirada, fez sair esse líquido.
Nenhuma pintura clássica jamais pintou o verdadeiro Jesus crucificado. Talvez se fosse possível mostrar uma foto de como Jesus provavelmente estava na cruz, muitas pessoas poderiam dizer: "Não, esse não é o meu Jesus!"; "Não, Jesus era Deus... Deus não é assim". Mas o fato é que, sim, era Deus... cortado, inchado, perfurado, deformado, dilacerado. Deus tornou-se homem e, como um homem, nos salvou.
Mas, felizmente, a história não termina na sua morte. Dois dias seguintes a toda essa dor há um túmulo vazio. Muitas pessoas céticas questionam se realmente ele ressuscitou, se não foi uma história inventada posteriormente. Bem, para responder a esse questionamento, basta relatar o seguinte: Tiago, irmão de Jesus, foi apedrejado até a morte; Paulo, o missionário, foi decapitado em Roma; Pedro, apóstolo, foi crucificado de cabeça para baixo por Nero; os apóstolos André, Tiago (Alfeu) e Simão (o zelote) foram também crucificados; Bartolomeu foi golpeado até a morte e o outro Tiago (Zebedeu) morreu ao fio da espada a mando de Herodes; Felipe, Mateus, Tadeu, Tomé e Matias foram igualmente martirizados.
Resumindo, todos os apóstolos, menos um, foram executados. Por que tiveram esse fim trágico se no dia em que Jesus foi preso todos fugiram e/ou o negaram (à exceção de João, o único que não foi assassinado)? O que faria o irmão de Jesus, que antes não acreditava nele, morrer por ele? O que faria um fariseu caçador de cristãos, como Saulo, se converter e morrer por ele? O que faria os apóstolos enfrentarem um Império e se entregarem à morte por uma mensagem? Acho que ninguém, em sua sã consciência, faria isso por uma mentira. Só há uma resposta possível: Jesus apareceu para eles depois da morte.
A origem do Cristianismo é uma história triste, trágica, horrenda. E tudo começou porque Deus voluntariamente se submeteu a uma forma humilhante e excruciante de tortura. E o que é mais importante: experimentou a morte. Por que fez isso? Só há uma resposta possível: por amor.
Se algum dia você se sentir angustiado, preste atenção se você chega a suar sangue. Se a vida machuca, veja se ela o deixa com tiras de peles penduradas, partes internas de seu corpo expostas e um rio de sangue aos seus pés. Se o caminho à sua frente é tortuoso, tente andar com seus músculos cortados e quase despedaçados, com um peso que empurra espinhos para dentro de seu crânio e abre mais ainda feridas profundas nas suas costas. Se você acha que não há mais saída para seus problemas, imagine simplesmente esperar a morte inexorável e lenta por asfixia dentro de um corpo todo desconjuntado e perfurado.
Um dia fiz uma oração equivocada a Deus, e Ele me respondeu: "Respeite a dor que eu senti". Desse dia em diante, quando elevo meu ser em oração, passou a ter muito mais sentido para mim dizer apenas "Eu te amo" ou, simplesmente, "Obrigado".
Tiago Ivo Odon
Phillip Yancey conta que certa vez, na China, missionários tiveram uma inesperada reação dos habitantes locais quando eles, após ouvirem a história de Jesus, rejeitaram a sua parte final, por ser feia e triste, e se encantaram com a parte inicial, que fala de uma virgem que deu luz a uma criança.
Não seria melhor, então, omitirmos o final da história? Se pensarmos bem, não. A história não poderia ter sido outra. Se fosse de outra forma, não seria perfeita, não seria para nós. O que, neste mundo, é tipicamente humano? O que você responderia se alguém lhe fizesse essa pergunta? Vaidade? Ganância? Lúcifer não é humano e foi vaidoso e ganancioso. Só há uma resposta: a morte. E, relacionado a ela, a dor física. Se Deus tivesse se transformado em homem e tivesse voltado aos céus antes de morrer, não teria sido um homem. Para realizar o seu maior milagre – transformar-se em carne, em um ser limitado e temporal, ser igual a nós –, a obra tinha que ser completa: Ele teria que passar pela morte! E fez muito mais: antes de morrer, enfrentou o medo e uma das piores seqüências de dor física que se possa imaginar. Deus sofreu!
Às vezes nós estamos tão viciados em nossas rotinas, em nossos problemas do dia-a-dia, nos achando tão sofredores, que nunca paramos para pensar que Deus, Aquele para quem dirigimos nossas petições diárias, sofreu muito mais do que tudo pelo que passamos todos os dias... tudo somado! Será que quando Isaías escreveu "as nossas dores levou sobre si" (Is 53:4), ele estava se utilizando de um recurso poético, metafórico, para causar impacto?
O dr. Alexander Metherell, conhecido médico dos EUA, reconhecido como diagnosticador pelo Conselho Americano de Radiologia e consultor do Instituto Nacional do Coração, do Pulmão e do Sangue e dos Institutos de Saúde de Bethesda, em Maryland, fez um minucioso e científico relato do que Jesus passou até morrer na cruz.
Tudo começou logo após a última ceia, no jardim de Getsêmani. Lucas, também um médico, relata que Jesus suou sangue (Lc 22:44). Essa é uma condição médica conhecida, chamada hematidrose, e está ligada ao alto grau de estresse psicológico. A angústia e a ansiedade extremas ocasionam a liberação de produtos químicos que rompem os vasos capilares nas glândulas sudoríparas, o que faz o suor brotar misturado com sangue. Um dos efeitos disso é que a pele fica muito frágil. Isso significa que Jesus se apresentou para o açoitamento romano, que aconteceria dali a algumas horas, com a pele bastante sensível.
Jesus, após ser inquirido por Pôncio Pilatos, foi açoitado ao estilo romano, e não ao judeu. Este último era de 40 golpes menos um. Mas o romano (more romanorum) não tinha limite. Simplesmente era suspenso quando assim achava conveniente o executor sententiae. Usava-se um chicote de tiras de couro traçadas, com bolinhas de metal amarradas. Presos ao açoite havia ainda pedaços afiados de ossos, que cortavam a carne profundamente. As costas das vítimas ficavam tão maltratadas que às vezes os cortes profundos chegavam a deixar a espinha exposta. As chicotadas cobriam toda a extensão do dorso, desde a nuca até o traseiro e as pernas.
Metherell conta que um médico que estudou os castigos infligidos pelos romanos certa vez disse que à medida que o açoitamento continuava, as lacerações atingiam os músculos inferiores que seguram o esqueleto, deixando penduradas tiras de carne ensangüentadas. Eusébio, historiador do século III, deu o seguinte relato: "As veias do sofredor ficavam abertas, e os músculos, tendões e órgãos internos ficavam expostos". Muitas pessoas morriam desse tipo de suplício antes mesmo de chegarem a ser crucificadas. Segundo Metherell, a vítima entrava em choque hipovolêmico; ou seja, sofria os efeitos da perda de grande quantidade de sangue. O coração se esforça para bombear mais sangue, a pressão sangüínea cai, causando desmaio ou colapso, os rins param de produzir urina e a pessoa fica com muita sede. Por isso Jesus diria mais tarde "Tenho sede" ao estar na cruz (Jo 19:28).
Jesus estava em choque hipovolêmico quando se arrastou pela rua em direção ao Calvário, carregando a viga horizontal da cruz (chamada de patibulum), que devia pesar em torno de 60 quilos (ao contrário do que muitos pensam, não se carregava a cruz inteira, apenas a sua parte horizontal; a outra parte já se encontrava erguida no local da execução). Colocada sobre a nuca e ombros, a cada passo e espasmo os espinhos afiados deviam ser pressionados pela madeira, cravando-se cada vez mais profundamente no couro cabeludo. Jesus então acabou caindo, devido aos efeitos do citado choque hipovolêmico, e o soldado romano, vendo seu estado, teve que ordenar a um espectador, Simão, que carregasse a cruz (Jo 19:17 e Lc 23:26).
Ao contrário do que muitos imaginam, Jesus foi crucificado pelos pulsos, e não pelas palmas das mãos. Se os pregos furassem apenas a palma da mão, o peso do corpo a rasgaria e a vítima cairia da cruz. Na linguagem da época, os pulsos eram considerados parte das mãos, por isso que Jesus, após a ressurreição, usou o termo "mãos" quando falou ao cético Tomé (Jo 20:27). Os pregos, bem afiados e de aproximadamente 15 centímetros, atravessavam o lugar do braço por onde passa o nervo central. Esse é o maior nervo que vai até a mão, e era esmagado pelo prego. A dor, relata Metherell, é simplesmente insuportável. Na verdade, está além da descrição por palavras, tanto que foi necessário se inventar uma nova palavra: dor "excruciante". Essa palavra significa literalmente "da cruz". Foi necessário criar uma palavra para descrever o que Jesus sentiu! E Jesus passou por essa dor quatro vezes: duas vezes nas mãos e duas vezes nos pés.
Mas antes de se perfurar os pés, o patibulum é içado, juntamente com a pessoa pregada, até ser encaixado na vergôntea da viga vertical. Essa operação provoca a queda do peso do crucificado até este ser freado pelos pregos que atravessam os pulsos. A dor, segundo os médicos, deve ter sido igualmente insuportável. Uma vez o corpo pregado na cruz, os braços ficam imediatamente esticados; os ombros saem do lugar e as juntas se distendem 15 centímetros. Por isso Salmos 22:14 diz: "Todos os meus ossos estão desconjuntados".
A crucificação é, em essência, uma lenta agonia até a morte por asfixia. A razão disso é que a tensão dos músculos e do diafragma deixa o peito na posição de inalar. Para exalar, a pessoa tem de firmar-se sobre os pés, para aliviar por um pouco a tensão dos músculos. Ao fazer isso, o prego rasga o pé, até se prender contra os ossos do tarso. Depois de conseguir exalar, a pessoa pode relaxar e inalar novamente. Mas logo em seguida é preciso empurrar-se novamente para cima, para exalar, esfregando suas costas esfoladas contra a madeira áspera da cruz. Isso se repete até a exaustão total, e a pessoa não consegue mais se erguer para respirar.
Ao diminuir a respiração, a vítima entra no que é chamado de acidose respiratória: o dióxido de carbono no sangue é dissolvido em ácido carbônico, fazendo a acidez do sangue aumentar. Isso faz o coração bater de modo irregular. Quando isso começou a acontecer, Jesus percebeu que estava chegando a hora da morte, e então disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23:46). Depois morreu de ataque cardíaco, com um grande grito (Mc 15:37).
Um soldado romano então enfia uma lança no corpo de Jesus para se certificar de que ele estava realmente morto. João relata que saiu sangue e água (Jo 19:34). Isso se deve ao choque hipovolêmico, que deve ter feito o coração bater rapidamente por algum tempo, o que teria contribuído para fazê-lo falhar, resultando no acúmulo de líquido na membrana em torno do coração, chamado efusão pericardial, bem como em torno dos pulmões, chamado efusão pleural. A lança provavelmente atravessou o pulmão e o coração de Jesus e, quando foi tirada, fez sair esse líquido.
Nenhuma pintura clássica jamais pintou o verdadeiro Jesus crucificado. Talvez se fosse possível mostrar uma foto de como Jesus provavelmente estava na cruz, muitas pessoas poderiam dizer: "Não, esse não é o meu Jesus!"; "Não, Jesus era Deus... Deus não é assim". Mas o fato é que, sim, era Deus... cortado, inchado, perfurado, deformado, dilacerado. Deus tornou-se homem e, como um homem, nos salvou.
Mas, felizmente, a história não termina na sua morte. Dois dias seguintes a toda essa dor há um túmulo vazio. Muitas pessoas céticas questionam se realmente ele ressuscitou, se não foi uma história inventada posteriormente. Bem, para responder a esse questionamento, basta relatar o seguinte: Tiago, irmão de Jesus, foi apedrejado até a morte; Paulo, o missionário, foi decapitado em Roma; Pedro, apóstolo, foi crucificado de cabeça para baixo por Nero; os apóstolos André, Tiago (Alfeu) e Simão (o zelote) foram também crucificados; Bartolomeu foi golpeado até a morte e o outro Tiago (Zebedeu) morreu ao fio da espada a mando de Herodes; Felipe, Mateus, Tadeu, Tomé e Matias foram igualmente martirizados.
Resumindo, todos os apóstolos, menos um, foram executados. Por que tiveram esse fim trágico se no dia em que Jesus foi preso todos fugiram e/ou o negaram (à exceção de João, o único que não foi assassinado)? O que faria o irmão de Jesus, que antes não acreditava nele, morrer por ele? O que faria um fariseu caçador de cristãos, como Saulo, se converter e morrer por ele? O que faria os apóstolos enfrentarem um Império e se entregarem à morte por uma mensagem? Acho que ninguém, em sua sã consciência, faria isso por uma mentira. Só há uma resposta possível: Jesus apareceu para eles depois da morte.
A origem do Cristianismo é uma história triste, trágica, horrenda. E tudo começou porque Deus voluntariamente se submeteu a uma forma humilhante e excruciante de tortura. E o que é mais importante: experimentou a morte. Por que fez isso? Só há uma resposta possível: por amor.
Se algum dia você se sentir angustiado, preste atenção se você chega a suar sangue. Se a vida machuca, veja se ela o deixa com tiras de peles penduradas, partes internas de seu corpo expostas e um rio de sangue aos seus pés. Se o caminho à sua frente é tortuoso, tente andar com seus músculos cortados e quase despedaçados, com um peso que empurra espinhos para dentro de seu crânio e abre mais ainda feridas profundas nas suas costas. Se você acha que não há mais saída para seus problemas, imagine simplesmente esperar a morte inexorável e lenta por asfixia dentro de um corpo todo desconjuntado e perfurado.
Um dia fiz uma oração equivocada a Deus, e Ele me respondeu: "Respeite a dor que eu senti". Desse dia em diante, quando elevo meu ser em oração, passou a ter muito mais sentido para mim dizer apenas "Eu te amo" ou, simplesmente, "Obrigado".
Tiago Ivo Odon
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